Por José Pacheco
“Nunca lamentei
tanto a ausência de uma educação prática e sólida e
nunca reconheci tanto a inutilidade das maravilhas
teóricas com as quais nos iludimos nos tempos académicos.”
– À perplexidade de um Euclides da Cunha, perante as
surpresas que o sertão lhe destinara, eu associei a
interpelação daquela professora: “Ouvi o senhor, ontem,
no congresso. Posso mandar-lhe um email? Preciso que me
dê a sua opinião sobre o “turno integral”. Na minha
escola não tem dado bons resultados. É tudo teoria!”
“É tudo teoria” –
dizia a professora. Poderia não ser correcta a
afirmação, mas o que a sua prática lhe dizia contrariava
a teoria: na sua escola, o “turno integral”, tinha-se
transformado numa dose dupla de tédio.
É pública a minha
defesa da escola em tempo integral, mas não de um tempo
integral de mesmice. Não defendo o turno integral por
decreto, introduzido de qualquer modo. Os professores
reivindicarão a escola em tempo integral, se
compreenderem as suas vantagens e reconfigurarem as
práticas. E isso apenas se consegue através da reflexão
das práticas à luz das… teorias.
A propósito,
recordo-me de um episódio ocorrido, quando eu tentava
preparar futuros professores para a dura realidade das
escolas. Tudo começou com a frase que caracterizava o
início de cada um dos meus dias: “O que quereis saber?”
“Fale-nos de Bruner.”
“Por que quereis que
eu fale do Bruner?” – inquiri.
“Porque vamos ter
uma prova noutra disciplina e vai sair o Bruner.”
“E o que já sabeis
de Bruner?” – quis saber.
“Nada!” – exclamou a
turma, em coro.
“Deixai ver se eu
entendo: a prova é já na próxima semana e vós ainda não
lestes nada sobre o Bruner?”
“Para quê? Quando
formos trabalhar numa escola, não vamos precisar disso!
Isso é só teoria! Só queremos que você nos dê aula como
faz o professor da outra cadeira.”
“E como faz o vosso
professor dessa cadeira?”
Responderam: “Traz
uns papéis, projecta uns slides, umas transparências, e
vai falando daquilo que o Bruner escreveu nos livros.”
“E vós, que ides ser
professores, não sabeis ler?
“Sabemos. É claro
que sabemos ler!”
“Então ide até à
biblioteca e lede o que quiserdes sobre o Bruner.
Depois, trazei para aqui as dúvidas que a leitura vos
tiver suscitado pois, para que haja diálogo, todos nós
teremos de estar por dentro do assunto.”
“Nós preferimos que
você dê uma aula sobre o Bruner.” – e já aprontavam
papel e caneta, para apontamentos.
“Não, meus amigos!
Não vou dar a aula sobre o Bruner! Sou professor, não
sou papagaio!”
E por aí ficou a
conversa.
Não me surpreende
que os professores reajam negativamente perante uma
iniciativa como o “turno integral”. Se não compreendem a
utilidade e se lhes afigura difícil a viabilidade, “é
tudo teoria”. Se não lhes forem dadas condições dignas
para o exercício da profissão, assumem atitudes
relutantes, que desvirtuam a “inovação”. Se a formação
que lhes foi servida não estimula uma profícua reflexão
da prática, a teoria tem má reputação.
Mas os professores
não podem prescindir da teoria. Quanto mais não seja
para contestar... “teorias”. |