Por José Pacheco
No comentário a uma
das minhas crônicas, alguém escreveu (sem poupar na
pontuação): “Sem horários?!...” E questionou: “Quem der
mais horas à escola com prejuízo da família é que é bom
professor?” Eu havia escrito que os horários são
dispensáveis. Mas, para sossego dos críticos,
acrescentarei que os professores da Ponte “não dão mais
horas à escola”, muito menos “em prejuízo da família”.
Horários de padrão
único são aberrações. Há muitos anos, escrevi: não gosto
de professores missionários, mas também não gosto dos
demissionários. Este trocadilho resulta do cansaço que
eu sentia no tempo em que a Ponte não podia escolher os
seus professores. Quando os “concursados” chegavam, a
sua primeira pergunta era, invariavelmente esta: Quais
são os meus dias livres?
Nas escolas por onde
tinham peregrinado, esses professores tinham um horário
atribuído. Nesse horário, havia manhãs, tardes, dias
livres de atividade docente. Na Ponte, nada disso havia.
Os dias eram todos “livres”…
Onde houver horário
e livro de ponto não há professores autônomos. A
autonomia de uma escola é incompatível com mecanismos de
poder vertical e de controlo uniforme do tempo. Se eu
quisesse recorrer à teoria, poderia evocar a
cronobiologia. Se quisesse apelar para o exercício do
bom senso, reafirmaria a evidência de cada ser humano
ser único e irrepetível, dotado de um ritmo específico
de aprendizagem, etc. Direi somente que não existe um só
modo de fazer escola. E que os horários de padrão único
apenas poderão ser legitimados pela cultura de
dependência, autoritarismo e demissionarismo, que
empesta muitas escolas.
Porquê um tempo de
cinqüenta minutos para estudar matemática e outro tempo
de cinqüenta minutos para estudar ciências? Cinqüenta,
sessenta, noventa minutos, para qual aluno?
Quando um aluno da
Ponte me perguntou por que razão as aulas em outras
escolas duravam cinqüenta minutos, eu respondi que não
havia razão alguma, que eu havia feito essa pergunta a
muitos professores que dão aulas de cinqüenta minutos e
que eles não souberam responder – é porque é, e pronto!
Antigamente, a
contestação dos demissionários surgia num registro mais
pueril. Dizia-me uma professora: “Isso de não haver
horários aonde nos levaria, colega?” Antigamente, havia
gente que, por mais que se explicasse, não entendia. Por
isso, trago à colação um episódio que testemunhei, já
vai para dez anos. Uma escola que se inspirou no projeto
da Ponte, não para o copiar, mas para se melhorar,
apresentou uma comunicação num congresso. Fui assistir.
Gostei: quem fez a palestra não foi um professor, mas um
aluno dessa escola. Quando o jovem de oito anos referiu
que, na sua escola, não havia horários iguais para
todos, nem séries (anos), nem o conceito de ano letivo,
foi interpelado por um professor da universidade onde
decorria o congresso:
Não acredito! Como é
possível não estar colocado num 3º ou 4º ano!
O miúdo contestou: O
senhor não entendeu. O que eu disse foi que na minha
escola não se faz como em outras, não se divide os
meninos por turmas e por anos. Porque isso não
interessa...
O universitário
cortou-lhe a palavra e atirou, num tom a roçar o
cinismo: Está bem! Eu já ouvi essa ladainha. Vá lá! Diz
em que ano estás!
O moço respirou
fundo e olhou na direção do seu professor, como quem
pergunta: o que hei-de fazer desta criatura? O professor
encolheu os ombros. E o aluno que fazia a palestra
respondeu: O senhor não sabe mesmo em que ano eu estou?
Triunfante, o
universitário usou o imperativo com ênfase redobrada:
Não sei. Diz lá!
O jovem obedeceu e
disse: Estou no mesmo ano em que o senhor está – no ano
de 1996!
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