Por José Pacheco
Eu pus o meu filho
numa escola Freinet.
Ai está? Coitado!
Não sabia que o seu filho tinha problemas.
A escola que ostenta
o nome do extraordinário educador é conhecida por
“escola dos deficientes”. Mas foi, sobretudo, devido a
uma “deficiência” que Freinet se libertou de atavismos.
Durante a guerra, fora ferido nos pulmões. Compreendeu
que os seus problemas respiratórios não lhe permitiriam
dar aula do modo como faziam (e ainda fazem) quase todos
os professores. Por lhe ser difícil respirar dentro da
sala, foi com os alunos para fora da sala. Arejou a sua
escola e provocou correntes de ar em muitas outras
escolas. Imaginemos o que aconteceria, se muitos
professores padecessem de problemas pulmonares, de
estrabismo, ou não pudessem utilizar as cordas
vocais!...
Quatro séculos
separam o Freinet moderno do Michelângelo renascentista.
É assim que recordo uma metáfora que li num livro do
Mário Cortella: Perguntaram a Michelângelo como
conseguira fazer a estátua de David, um maravilhoso
mármore de cinco metros de altura. Michelângelo
respondeu: Foi fácil. Olhei para o bloco de mármore e
imaginei o David dentro dele. Depois, foi só retirar
tudo o que não era David.
É necessário
“retirar do mármore aquilo que não é David”, é preciso
libertar a escola daquilo que não faz sentido.
Quase contemporâneo
de Michelângelo, Comenius concebeu uma teoria ainda hoje
considerada “avançada” e advogava uma educação em
ambiente escolar arejado. Mas, durante mais de quatro
séculos, os alunos foram armazenados em “estufas
calafetadas”, alinhados em classes (pretensamente)
homogéneas e tratados como se fossem um só.
Há escolas de salas
com porta de fechar, cujo cheiro a mofo já ninguém sente
– são as normais. Há outras em que as salas têm portas
de abrir – são escolas anormais. Portas fechadas são
reveladoras de uma cultura de auto-suficiência. Mas as
portas que fecham a caixa negra da sala de aula, também
podem ser portas abertas para o ar livre. Resta optar.
Galileu – outro
homem do Renascimento – respirou o ar fétido dos
subterrâneos da Inquisição, quando ousou desafiar os
preconceitos da sua época. Com lentes, que ele mesmo
fabricava, Galileu atravessou os ares com um novo olhar,
contrariando aqueles que defendiam as teses de
Aristóteles e Ptolomeu.
As ideias arejadas
são peregrinas, permitem que a humanidade reoriente o
seu complexo percurso. No século passado, houve
professores que ousaram interrogar-se: porque há séries
e salas de aula? Os seus olhos questionadores não
encontraram nos livros de pedagogia qualquer
fundamentação para que houvesse tais dispositivos. E
libertaram a sua escola de tudo o que não era escola.
Quando escrevi que
os educadores precisam mais de interrogações do que de
certezas, houve quem reagisse com virulência. A recusa
de agir advém da recusa de ver e de pensar. Como diria o
Ramalho, nas escolas “aprende-se de tudo menos a
descobrir, a pensar, a sentir conscientemente,
analisando, criticando. Tem-se uma educação por via da
qual se pode chegar a ser um bacharel, um deputado, um
escritor, um empregado público, talvez mesmo um sábio,
mas nunca um homem”.
Confesso o meu
cansaço perante a sucessão de notícias que dão conta do
descalabro da Educação deste país, dos trágicos efeitos
de uma Escola sem sentido, sem que se denuncie as
causas. Confesso o meu cansaço por ter de escrever para
denunciar, quando desejaria mais anunciar.
Quando findará o
drama de um país que tem os professores certos
trabalhando de modo errado?
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