Os Outros
Por José Pacheco|
2007-01-31
Como
diria Lorraine
Moureau, um terço dos professores é muito bom, um terço pode
ficar bom, um terço deve mudar de profissão. Chamemos aos primeiros
aquilo que são: professores. Designemos os segundos por
quase-professores. Os outros serão... "os
outros".
Questionaram-me: Por que expões a Ponte deste
modo? Porque considero necessário partilhar com outros professores
as grandezas e as misérias da nossa profissão, o que, no dizer de
Miguel Guerra, é "um modo de reavivar o compromisso com as pessoas e
com a acção educativa, que consiste em
ajudá-las a ser mais felizes". O conhecimento das experiências
vividas na Ponte poderá ajudar os professores a ultrapassarem
decepções.
Como diria
Lorraine Moureau,
um terço dos professores é muito bom, um terço pode ficar bom, um
terço deve mudar de profissão. Chamemos aos primeiros aquilo que
são: professores. Designemos os segundos por quase-professores. Os
outros serão... "os outros".
Um professor contou-me
o sucedido numa reunião de conselho pedagógico, quando propôs que se
alargasse a toda a escola um projecto
que dera óptimos resultados no seu
departamento. O terço dos professores apoiou. O terço dos
quase-professores quedou-se num silêncio expectante. Os "outros"
pronunciaram-se: Ó colega, isso até pode resultar. Mas, se
der bons resultados, poderá ter de se
estender ao resto da escola. E nós sabemos que isso dá trabalho.
Vamos ter muita gente contra nós. Na votação, os quase-professores
aliaram-se aos "outros", e o projecto
foi inviabilizado.
Apesar de a Ponte ter
conquistado o direito de escolher os seus
professores, alguns "outros" conseguiram introduzir-se na escola.
Instalaram-se, enquistaram-se, degradaram o sistema de relações,
fomentaram o aparecimento de guetos, espalharam insinuações com que
conseguiram deteriorar laços afectivos.
Assumiram atitudes contrárias ao exercício da autonomia, da
solidariedade e da responsabilidade,
fragilizando esses esteios da cultura da escola. Tiveram
tempo para explorar a insegurança dos quase-professores e de os
manipular. Criaram o cenário ideal para destruir a imagem dos
professores mais conscientes e leais ao
projecto. As reuniões foram colonizadas por assuntos de
natureza administrativa, esvaziando-se de pedagogia. Quando se
sentiram em maioria, os "outros" (por vezes, apoiados pelos
quase-professores) chegaram mesmo a pôr em causa princípios do
projecto a que (livremente!) tinham
aderido, no que contaram com o beneplácito de pedagogos de gabinete
e a conivência de titulares de cargos políticos.
A Ponte avisa os que
são professores, como, há séculos, Pestalozzi
avisava: "Não sonhes com uma obra acabada. Momentos de extrema
elevação se alternam com horas de desordem, de desgostos e de
preocupações". Ao longo de dezenas de anos, conheci professores que
acreditaram nas boas intenções dos poderes e na solidariedade dos
seus pares de profissão. Vi esses professores fazerem maravilhas com
os seus alunos, acreditando ser possível melhorar as escolas.
Assisti às suas tentativas de sensibilização dos quase-professores.
Vi os seus projectos serem destruídos
pelo cinismo e a maldade dos "outros". Vi as suas vidas serem
destruídas.
Nos debates públicos,
predomina a tendência "politicamente correcta" de ocultar a
existência do que Lorraine Moureau designou pelo terço de
professores que deve mudar de profissão. Pero que
los hay,
los hay... E
serão, talvez, os maiores responsáveis pela degradação do estatuto
da nobre profissão de professor e pela obsolescência da Escola.
Revista Educação (nº 117, janeiro de 2007)
Especialista em
Música e em Leitura e Escrita, José Pacheco, de 52 anos, coordena
desde 1976 a Escola da Ponte, instituição pública que se notabilizou
pelo projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos
estudantes. O educador português, que se diz "um louco com noções de
prática", é mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
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