Para o amanhã nascer feliz
Por José Pacheco
Há alguns anos, fui
levado até à Te-Arte pela mão da minha amiga Rosely Saião. E
aconteceu o deslumbramento dos sentidos. Não esperava encontrar no
Brasil tanta generosidade e responsável ousadia.
Enquanto muitas escolas
se convertem ao digital e se vão transformando na vanguarda
tecnológica do atraso pedagógico, a Te-Arte é bela na simplicidade.
Ali, tudo tem a medida da infância e apetece voltar a ser criança.
Por isso, a presença do adulto que educa faz sentido.
Este país não é pobre
em exercícios de canseira e paixão. Importa conhecê-los, resistindo
à tentação de lançar novas “modas”. O Brasil não poderá continuar no
desconhecimento do que tem de melhor. Educadoras como a Therezita –
uma jovem septuagenária – são razão de esperança, num Brasil
condenado a acreditar que, pela Educação, chegará ao exercício de
uma cidadania plena.
Eu sinto-me
privilegiado por a ter conhecido. Bem-haja a Dulcília por ter
escrito um belo livro, em que relata experiências de mãe, expondo a
outros olhares um espaço de amor maduro, onde a sensibilidade se
reinventa e o impulso criativo ganha raízes.
A Fernanda foi criança
feliz no Te- Arte e ali voltou como realizadora de cinema, para
fazer um documentário. Agradeço os momentos passados no Te-Arte,
gravando imagens de uma amena conversa. Mas ficou-me o travo amargo
de algumas confidências escutadas.
Aceite o leitor a
possibilidade de a memória me trair, pois fiquei aturdido com o
chorrilho de disparates (leia-se exigências ministeriais), que
escutei. Talvez não reproduza a lista por completo ou a adultere.
Mas, ainda que corra o risco de inexactidão, não poderei deixar de
partilhar aquilo que, desde então, me preocupa.
Há muitos anos, a
Therezita solicitou alvará para o seu jardim de infância. Após
vistoria e análise do projeto, os burocratas do ministério
recusaram-lhe esse estatuto por “razões” que (parcialmente) passo a
enunciar.
O chão do Te-Arte não é
plano, o que constitui, na opinião dos burocratas, um perigo para as
crianças. E é um espaço repleto de árvores, às quais as crianças
podem subir e... cair. É compreensível que os burocratas se
preocupem com o risco de acidentes no Te-Arte. Porém, em muitos anos
de funcionamento, nunca uma criança do Te-Arte necessitou de
tratamento hospitalar, enquanto outras escolas e jardins de infância
disso não se poderão gabar.
A lista de absurdas
exigências era longa: as paredes terão de estar pintadas de branco
(os burocratas preferem paredes assépticas); o número de crianças
por metro quadrado superiormente estabelecido não poderá ser
ultrapassado; as crianças deverão usar uniforme; as crianças deverão
estar escalonadas em turmas por idades ... E por aqui me quedo, para
poupar o leitor a outras alarves imposições.
No filme “Para o amanhã
nascer feliz” estão expostas mazelas do sistema educativo. Para
vergonha de um Brasil atolado na miséria educacional, o Te-Arte vai
ser celebrado em filme, que já o foi em dois belos livros. Quando o
filme for projetado nas telas das nossas salas de cinema, os
espectadores poderão ver imagens do que de melhor o Brasil tem. Irão
tomar conhecimento de uma instituição que, por vontade dos
burocratas, paga um imposto exorbitante – idêntico ao que paga uma
multinacional – só porque o ministério se recusou a reconhecê-la
como jardim de infância e que, desde a sua fundação, funciona
como... “centro de recreação”.
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