Por
Margarida Graça
Quando se deu o 25 de Abril, eu era uma criança cheia de
sonhos, de uma aldeia, que aprendeu a amar a liberdade
pelas mãos dos avós. Ai de mim que faltasse ao respeito
a quem quer que fosse. Talvez por isso hoje me sinta uma
troglodita, neste mundo bárbaro em que nos globalizámos,
porque sinto, como primeiro dever da minha social
existência, o dever de respeitar o outro,
independentemente do credo, posição social ou tom de
pele. Era assim a palavra liberdade que os meus pais me
ensinaram a escrever. Nela, cabia o amor, a
solidariedade e o respeito pelo outro. E recordo-me de
participar em tantas manifestações do partido que deu
nome a este tecnológico poder, que não puseram em causa
essa épica aprendizagem. Hoje, quando estou dentro de
uma sala de aula, sinto que a falta de respeito passou
para as leis do nosso país e, defronte a seis alunos,
sou obrigada a tomar atitudes que me desgastam de forma
acelerada e descompensada, porque a palavra liberdade
perdeu, entre muitos dos nossos jovens, o alicerce de
qualquer democracia: o respeito pelo outro. Poderão
dizer-me que é uma questão de rédea curta, de pôr na
linha.
Nesse
caso, deixei de ser necessária enquanto professora, uma
vez que existem alunos que a toda a hora precisam de
quem os ponha na linha, como por exemplo, o caso do
menino de 15 anos, desses novos cursos milagrosos,
cheios de conceptualizações ideais, que servem as
intenções mas não servem a prática, porque são para
meninos que querem fazer NADA e para quem a escola é a
metáfora do horror do mundo, que a toda a hora faz
caretas, gestos e grunhidos, que perturbam o ambiente e
do menino também do mesmo curso, que se levanta na
última carteira, se coloca de pé e passa a mão pelo sexo
e, não satisfeito, pois a professora podia não ter
visto, passa segunda e terceira vez e desaperta e aperta
o cinto das calças, com ostentação e, quando a
professora, surpreendida, reage com uma exclamação "Essa
agora!!", o menino que até se chama Joãozinho achou por
bem perguntar: "O qu'é que foi? Tou a fazer algum mal?
Não posso consertar as calças?
"
Perplexa, a professora mandou o menino sentar e,
entretanto, tocou para a saída. A reacção da professora
é incompreensível, dificilmente a virei a perdoar, mas
já realizei alguns progressos, porque, após aturada
análise e reflexão, sem psicanalista ou médico afim,
entrevistei aquilo que é de caras e que o poder político
não quer simplesmente ver: dentro de uma sala de aula,
os meninos são uns pobrezinhos nas mãos dos canalhas dos
professores. Esta a imagem que se promoveu neste mísero
país, à conta de uma economia incompreensível, porque se
diz em crise e, entretanto, ofereçam-se computadores aos
meninos, em pedestais eleitorais.
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