Adaptação do livro "A PIPA E A FLOR" (www. loyola.com.br)
do escritor, educador e psicanalista Rubem Alves (www.rubemalves.com.br).
Estreou em 21 de dezembro de 1999 e desde então já foi
encenada em diversas instituições culturais,
educacionais e empresariais do Brasil e Portugal.
Texto Original: Rubem Alves
Adaptação, Encenação e Direção: Laerte Asnis (DRT
23311/SP)
Teclado e Direção Musical: Valéria Peres (OMB 48.421)
Violino: Gabriel Zissi
Iluminação: Yuri Peres Asnis
Teatro para todas as idades e lugares
1) Correio Popular, Caderno C, 15/07/2001 - Campinas/SP
"Hoje, quando
escrevo, estão voltando de Portugal o Laerte, a Valéria,
sua mulher, tecladista, e a Márcia, flautista – com os
respectivos filhos. O Laerte faz teatro. Nada do que
vocês estão pensando. Eu mesmo nunca havia visto teatro
do jeito como o Laerte faz. É muito divertido – todo
mundo fica envolvido de um jeito gostoso. O Laerte fez
uma adaptação do meu livro A Pipa e a Flor para o
teatro. Na verdade, ele re-criou a estória. Quando a vi
pela primeira vez, chorei. Pois ele lutou aqui no Brasil
para levar seu espetáculo adiante. Quase mendigou. A
indiferença das escolas foi absoluta. Parece que elas já
estão tão organizadas dentro das suas rotinas que não
querem nada que possa atrapalhar. Enviei um e-mail sobre
o Laerte para o meu amigo de Portugal, Ademar Ferreira
dos Santos, diretor do Centro de Formação Camilo Castelo
Branco. Muito ligado à “Escola da Ponte“. O Ademar
acreditou em mim. E tomou as providências. Enviou
convite imediato para o Laerte, com passagens para todos
o membros da troupe. Em três meses em Portugal o Laerte
fez 54 apresentações em escolas. Estive presente em
várias. Foi aplaudido de pé num festival internacional
de teatro (Joane 2001). Está aí a dica para escolas,
empresas, prefeituras, clubes. Garanto que vocês não se
arrependerão.
2) Artigo Sinapse – Folha de São Paulo de 27/04/2004
Site: www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u814.shtml
“Hoje
vamos interpretar um poema", disse a professora de
literatura. "Trata-se de um poema mínimo da
extraordinária poetisa portuguesa Sophia de Mello
Breyner Andresen", continuou. "O seu título é 'Intacta
Memória'. Por favor, prestem atenção." E com essas
palavras começou a leitura.
"Intacta memória —se eu chamasse
Uma por uma as coisas que adorei
Talvez que a minha vida regressasse
Vencida pelo amor com que a sonhei."
Ela tira os olhos do livro e fala: "O que é que o autor
queria dizer ao escrever esse poema?". Essa pergunta é
muito importante. Ela é o início do processo de
interpretação.
Na vida estamos envolvidos o tempo todo em interpretar.
Um amigo diz uma coisa que a gente não entende. A gente
diz logo: "O que é que você quer dizer com isso?". Aí
ele diz de uma outra forma, e a gente entende. E a
interpretação, todo mundo sabe disso, é aquilo que se
deve fazer com os textos que se lê. Para que sejam
compreendidos. Razão por que os materiais escolares
estão cheios de testes de compreensão. Interpretar é
compreender.
É claro que a interpretação só se aplica a textos
obscuros. Se o meu amigo tivesse dito o que queria dizer
de forma clara, eu não lhe teria feito a pergunta.
Interpretar é acender luzes na escuridão. Lembra-se do
poema de Robert Frost, que diz: "Os bosques são belos,
sombrios, fundos..."? Acesas as luzes da interpretação
na escuridão dos bosques, suas sombras desaparecem. Tudo
fica claro.
"O que é que o autor queria dizer?" Note: o autor queria
dizer algo. Queria dizer, mas não disse. Por que será
que ele não disse o que queria dizer? Só existe uma
resposta: "Por incompetência lingüística". Ele queria
dizer algo, mas o que saiu foi apenas um gaguejo, uma
coisa que ele não queria dizer...
A interpretação, assim, se revela necessária para salvar
o texto da incompetência lingüística do autor... Os
poetas são incompetentes verbais. Felizmente, com o uso
dos recursos das ciências da linguagem, salvamos o autor
de sua confusão e o fazemos dizer o que ele realmente
queria dizer. Mas, se o texto interpretado é aquilo que
o autor queria dizer, por que não ficar com a
interpretação e jogar o texto fora?
É claro que tudo o que eu disse é uma brincadeira
verdadeira. É preciso compreender que o escritor nunca
quer dizer alguma coisa. Ele simplesmente diz. O que
está escrito é o que ele queria dizer. Se me perguntam
"O que é que você queria dizer?", eu respondo: "Eu
queria dizer o que disse. Se eu quisesse dizer outra
coisa, eu teria dito outra coisa, e não aquilo que eu
disse".
Estremeço quando me ameaçam com interpretações de textos
meus. Escrevi uma estória com o título "O Gambá Que Não
Sabia Sorrir". É a estória de um gambazinho chamado
Cheiroso, que ficava pendurado pelo rabo no galho de uma
árvore. Uma escola me convidou para assistir à
interpretação do texto que seria feita pelas crianças.
Fui com alegria. Iniciada a interpretação, eu fiquei
pasmo! A interpretação começava com o gambá. O que é que
o Rubem Alves queria dizer com o gambá? Foram ao
dicionário e lá encontraram: "Gambá: nome de animais
marsupiais do gênero Didelphis, de hábitos noturnos, que
vivem em árvores e são fedorentos. São onívoros, tendo
predileção por ovos e galinhas". Seguiam descrições
científicas de todos os bichos que apareciam na estória.
Fiquei a pensar: "O que é que fizeram com o meu gambá?
Meu gambazinho não é um marsupial fedorento".
Octavio Paz diz que a resposta a um texto nunca deve ser
uma interpretação. Deve ser um outro texto. Assim,
quando um professor lê um poema para os seus alunos,
deve fazer-lhes uma provocação: "O que é que esse poema
lhes sugere? O que é que vocês vêem? Que imagens? Que
associações?". Assim o aluno, em vez de se entregar à
duvidosa tarefa de descobrir o que o autor queria dizer,
entrega-se à criativa tarefa de produzir o seu próprio
texto literário.
Mas há um tipo de interpretação que eu amo. É aquela que
se inspira na interpretação musical. O pianista
interpreta uma peça. Isso não quer dizer que ele esteja
tentando dizer o que o compositor queria dizer. Ao
contrário. Possuído pela partitura, ele a torna viva,
transforma-a em objeto musical, tal como ele a vive na
sua possessão. Os poemas assim podem ser interpretados,
transformados em gestos, em dança, em teatro, em
pintura. O meu amigo Laerte Asnis transformou a minha
estória "A Pipa e a Flor" num maravilhoso espetáculo
teatral. Pela arte do intérprete —o Laerte, palhaço—, o
texto que estava preso ao livro fica livre, ganha vida,
movimento, música, humor. Com isso, a estória se apossa
daqueles que assistem ao espetáculo. E o extraordinário
é que todos entendem, crianças e adultos. Eu chorei na
primeira vez que o vi.
O que é que a Sophia de Mello Breyner Andresen queria
dizer com o seu poema? Não sei. Só sei que o seu poema
faz amor comigo.
Rubem Alves, 70, é educador e escritor, autor de "Quando
Eu Era Menino" (Papirus), "Lições de Feitiçaria"
(Loyola), "Pai Nosso" (Paulus) e "Ao Professor com Meu
Carinho" (Verus), entre outros. Atualmente, dedica-se às
releituras de "Zorba, o Grego", de Nikos Kazantzakis,
"Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Márquez, e
"Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa.
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