"Olha o que eu digo"
O
modelo de formação que ainda predomina é a
negação do que se pretende transmitir
José Pacheco
"Que lhes valeu
todo o curso que fizeram durante longos anos? Em vão leram livros
copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes,
como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras
laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento
levou (...) Pobres alunas, que não tiveram quem as orientasse a
tempo! Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com
enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do
magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pode
fornecer no momento devido." Quem assim nos falava era a Cecília
Meireles. Em 1930! Decorridos 77 anos, o que mudou?
Se a competência
dos professores fosse medida pelo número de cursos frequentados, a
qualificação dos professores seria extraordinária. Se a qualidade
das escolas pudesse ser medida pelo peso de diplomas e certificados,
já teria acontecido uma revolução em cada escola.
Os professores
acumulam "capacitações", sem que isso corresponda a mudança, ou
responda aos desafios que encaram na sala de aula. Se acreditarmos
numa pesquisa recente (Naércio Filho, 2007), os professores que
fizeram muitos cursos não melhoraram o aprendizado dos seus alunos.
A pesquisa diz-nos que "quando se trata do ensino público e dos
cursos de capacitação oferecidos aos professores dessas redes, a
constatação é que eles não estão fazendo diferença no desempenho dos
alunos, apesar de serem divulgados como uma das iniciativas para
melhorar o ensino (...) o professor vai, fica ouvindo sobre várias
linhas pedagógicas e no fim não aprende nada que consiga usar".
Esta preocupante
realidade brasileira não difere de outras realidades. Em Portugal,
após o incremento da formação continuada de professores e do
investimento de milhões de euros, os resultados foram decepcionantes
- quase nada se alterou na atitude dos professores e pouco terá
mudado nas suas práticas.
O modelo de
formação que ainda predomina é a negação do que se pretende
transmitir. Se os formadores ensinam métodos activos a professores
inactivos, o que fica? O professor aprende a teoria "transmitida",
ou a prática "praticada"? Os formadores parecem adoptar a máxima que
diz "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço",
ignorando que acontece formação quando o professor estabelece um
diálogo entre o eu que age e o eu que se interroga, num processo
social em que transforma o conhecimento que tem da realidade.
Cada professor
estabelece as suas relações com o saber imerso em práticas que
reflectem uma determinada racionalidade. A formação encontra-se
intimamente ligada às condições do exercício da profissão e com elas
pode interagir como factor de mudança. Porém, ainda há quem acredite
na transferibilidade linear de saberes pretensamente adquiridos.
Talvez porque se tenha esquecido que o modo como o professor aprende
é o modo como o professor ensina...
Poderemos
concluir que já tudo foi discutido sobre formação? Ou deveremos
seguir a máxima de Pascal, que nos avisa que, por detrás de cada
verdade, é preciso aceitar que existe uma qualquer outra verdade que
se lhe opõe? Opto pelo Pascal e questiono: a formação acontece
quando é "centrada na escola", ou quando o professor está sentado na
escola?
José Pacheco - Educador e escritor, ex-diretor da
Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
josepacheco@editorasegmento.com.br
Fonte: Portal Revista Educação
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