Por
Valdir Bonete
A forma tradicional de avaliar o aluno
através de provas escritas é pura perda de tempo. Esse foi
apenas um dos princípios defendidos pelo professor português
José Pacheco, durante palestra na segunda-feira à noite, no
Teatro Municipal de Campo Mourão. O evento, promovido pelo
Sesc, reuniu professores e acadêmicos do município e região.
Para Pacheco - que é mestre em Ciências da
Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade do Porto – o método tradicional de
avaliação não prova nada. “Quem sabe o que está na prova
estará perdendo tempo respondendo algo que já sabe e poderia
estar utilizando esse tempo para aprender outras coisas. E
quem não sabe também perde tempo porque poderia utilizar
aquele tempo para aprender sobre aquele conteúdo”,
justificou o educador, que por mais de 30 anos trabalhou na
Escola da Ponte, em Portugal, que é referência mundial em
educação inclusiva e única no mundo com contrato de
autonomia com o governo.
Ele argumenta ainda que elaborar uma prova é
muito complicado. “Construir itens, fazer ponderações,
estatísticas aplicadas à avaliação, estabelecer o valor de
cada questão é muito complexo e raramente os professores
sabem fazer. Mas enquanto não tivermos outros modos, façamos
prova”, comentou.
Na Escola da Ponte, segundo ele, uma das
formas de avaliar o aluno é pelo sistema de portfólio, que
é um conjunto de evidências de aprendizado. “Trabalhamos a
avaliação levando em conta emoções, atitudes básicas diante
de uma escola, o afeto, coisas que uma prova não consegue
avaliar”, explicou.
Inovador - O palestrante, que se diz
"um louco com noções de prática", é um inovador, inclusive
na forma de ministrar palestras. Ele não traz nada anotado
nem utiliza projeções de slides. De posse apenas do
microfone, após apresentar-se já abriu para perguntas. “Se
ninguém tiver nenhuma pergunta vamos todos embora”, avisou,
ao esclarecer: “não posso ficar aqui na frente falando sobre
algo previamente elaborado por mim que pode não ser a
necessidade de vocês. Isso iria contra o que defendo”.
Pacheco, que coordenou a Escola da Ponte por
28 anos, disse que a unidade de ensino básica é pública e um
dos diferenciais é a não utilização de sistema de séries.
A faixa etária dos alunos compreende
aproximadamente dos 5 aos 13 anos. No entanto, devido à sua
filosofia de educação inclusiva, a escola tem alguns alunos
mais velhos.
Para ele, o problema da educação não está na
aprendizagem, mas na “ensinagem”. “Professor não tem que
ensinar, tem que provocar a aprendizagem, porque a educação
não está centrada no professor nem no aluno. Está na
relação, na mediação, no vínculo”, completou. Na Escola da
Ponte, segundo ele, os
professores não são responsáveis por uma disciplina ou por
uma turma específica. Os alunos - muitos deles violentos,
transferidos de outras instituições – com o auxílio do
professor definem quais suas áreas de interesse e
desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo quanto
individuais.
A
escola portuguesa se notabilizou pelo projeto educativo de
vanguarda, baseado na autonomia dos estudantes. “Não há
salas de aula, e sim lugares onde cada aluno procura
pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e
convive com os outros. São os espaços educativos”, explicou.
Autoridade e liberdade são “segredos” para
disciplina
Valdir Bonete
Um
dos primeiros questionamentos entre os participantes da
palestra foi sobre o problema da indisciplina dos alunos.
Pacheco contou que principalmente no início a Escola da
Ponte recebia alunos “rejeitados” por outras escolas.
“Alunos envolvidos com drogas, que agrediam professores a
ponto de mandá-los para o hospital”, afirmou.
Segundo o professor, a disciplina se conquista com
autoridade, que está diretamente ligada à liberdade e à
solidariedade. “Sozinho ninguém tem autoridade. A profissão
de professor não é solitária, é solidária. Na ponte
compreendemos que para haver disciplina deve haver
autoridade; para haver autoridade tem que haver liberdade e
para haver liberdade, professores devem exercer plenamente a
cidadania. Se tem diretor, supervisor, orientador,
secretário, ministro, não é livre, então não é cidadão”,
argumenta, ao justificar por que a escola conquistou
contrato de autonomia.
“Ser
livre é ser responsável. Na Ponte não tem prova, não tem
diretor, não tem horário, porque isso não é o mais
importante. Mas lá não falta professor e os alunos são os
melhores. A Escola da Ponte não ensina cidadania, ela educa
na cidadania”, acrescentou.
Teoria – Pacheco ressaltou ainda que o método
de trabalho da escola está fundamentado em estudos
científicos. “Não há nenhuma mudança que possa dar certo se
não tiver embasamento teórico. Mas não vou falar sobre o que
está nos livros; vocês devem ler. Lá em Portugal há
professores que não lêem, mas sei que isso não acontece
aqui”, ironizou o professor.
Pacheco ainda provocou os educadores citando
vários autores brasileiros considerados por ele referência
em educação, como Agostinho da Silva, Darcy Ribeiro e Anália
Franco. Ninguém dos presentes se manifestou para dizer que
conhecia. Na seqüência citou autores estrangeiros conhecidos
e muitos levantaram a mão confirmando conhecer. “O Brasil
tem autoridades no assunto e vocês não conhecem. Dão valor
para muitos que não acrescentam nada e que nada têm a ver
com sua realidade”, criticou.
Ele disse ainda que o que foi realizado na
escola da Ponte não é solução para as outras, apenas
referência. “Cada escola, cada professor, pode fazer a
partir de sua realidade. A Ponte não é para ser copiada
porque resolveu uma realidade de Portugal”, justificou.
A ESCOLA DA PONTE
- Instituição
pública de ensino, localizada em Vila das Aves (Portugal).
- Os alunos formam grupos heterogêneos, não
estando classificados por turmas nem por anos de
escolaridade; não há lugares fixos nem salas de aula e a
escola encontra-se numa área aberta.
- Não
há um professor encarregado de um grupo. Em vez disso, todos
os alunos trabalham com todos os professores.
- No início de cada ano, todos os
encarregados de educação (pais ou responsáveis) participam
do encontro de apresentação do Plano Anual.
- Ao longo do ano letivo, os projetos são
avaliados mensalmente, com a contribuição dos encarregados
de educação. Em Portugal, a Associação de Pais da Escola da
Ponte é uma referência nacional.
- Os alunos decidem democraticamente na
Assembléia da Escola os direitos e deveres que consideram
fundamentais para aquele ano.
- Uma Comissão de Ajuda formada por quatro
alunos auxilia para resolver os problemas mais graves
colocados na Assembléia.
- As decisões dessa Comissão se guiam pelos
direitos e deveres definidos pelos alunos, que se
comprometeram a respeitar o estabelecido.
- Debate: tem caráter mais informal que as
Assembléias e acontece todos os dias com duração de 30
minutos. Destina-se à discussão sobre o que se fez durante o
dia de trabalho, através de jogos de perguntas e respostas.
- Biblioteca: ocupa o espaço comum, da área
aberta da Escola, e serve como espaço de encontro e de
pesquisa.
- Numa Caixinha dos Segredos, crianças
depositam seus segredos, que muitas vezes revelam as razões
da chamada indisciplina.
- A Caixinha dos Textos Inventados recebe
as criações textuais imaginativas dos pequenos.
- Professor Tutor: o professor tutor
acompanha de perto um grupo de 8 a 11 alunos, os quais
monitora o trabalho individualmente e faz reuniões
sistemáticas duas vezes por semana, mantendo também um
contato estreito com os encarregados de educação.
- Cada aluno e a maioria dos orientadores
educativos são responsáveis por algum aspecto do
funcionamento da escola. Os grupos reúnem-se quinzenalmente
para tomada de decisão.
TRIBUNA - Como a mídia pode contribuir com a
educação?
PACHECO - A mídia pode contribuir com a
educação articulando-se com ela. Mídia como qualquer outra
ferramenta pode tanto ser positiva quanto negativa. Na
Escola da Ponte fazemos um consumo crítico da mensagem
midiática. Hoje a escola não está só dentro dos prédios. Em
todo lugar há um espaço de aprender, mediado pelo mundo. É
imprescindível fazer com que a mídia intervenha no espaço
comum onde podemos chamar de escola onde entra não só a
instituição escola como o centro cultural, a empresa.
TRIBUNA – A Escola da Ponte utiliza jornal
para as aulas?
PACHECO - Utilizamos vários jornais assim
como produzimos jornal na escola. Temos o jornal escolar
mais antigo de Portugal, produzido pelos alunos e que hoje
já está na internet.
TRIBUNA – Qual sua opinião sobre a reforma
ortográfica que pretende uniformizar a linguagem entre os
países que falam português?
PACHECO - Pelo que li ela já é tardia, porque
muita coisa poderia ser unificada. Não sei por que Portugal
continua a utilizar o “H” nem por que no Brasil ainda se usa
o trema. Há muitas contradições nesse acordo mas como sei
muito pouco sobre isso não me atrevo a comentar. |