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Palestras e Conferências

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Maurício Knobel e a Síndrome Normal da Adolescência

 

Maurício Knobel e a Síndrome Normal da Adolescência

Por Marília de Freitas Maakaroun*



Maurício Knobel observa que o adolescente vivencia “desequilíbrios e instabilidades extremas” com expressões psicopatológicas de conduta, mas que podem ser analisadas como aceitáveis para o seu momento evolutivo, pois constituem vivências necessárias para se atingir a maturidade. Reúne sob a denominação de “síndrome normal da adolescência” ou “normal anormalidade da adolescência” ao conjunto de sinais e sintomas que caracterizam esta fase da vida e que são:

·       Busca de si e da identidade

A identidade, “consciência que o indivíduo tem de si como um ser no mundo”, é construída ao longo da vida e tem especial importância na adolescência. As transformações progressivas do corpo e do esquema corporal levam o adolescente a adotar sucessivos modos de conduta em diferentes situações, que constituem variações circunstanciais, transitórias e ocasionais da identidade adolescente.

O conceito de identidade engloba vínculos de integração espacial, temporal e social, introduzidos por Grimberg. O vínculo de integração espacial está relacionado com a representação que o indivíduo tem de seu corpo com características que o tornam único. O vínculo de integração temporal corresponderia à capacidade do indivíduo de se recordar no passado e de se imaginar no futuro, sentindo-se o mesmo ao longo de sua vida. O vínculo de integração social se inscreve nas relações com figuras significativas em sua trajetória existencial.

Na busca de sua identidade, o adolescente recorre a situações que se apresentam as mais favoráveis no momento. Uma delas, é “a uniformidade”, o processo de identificação em massa, que explica o “fenômeno grupal”. Maurício knobel enfatiza que, na proporção em que o adolescente vai aceitando simultaneamente os seus aspectos de criança e adulto, começa a surgir a nova identidade.

·       Tendência grupal

M. Knobel assinala que a busca de uniformidade é um comportamento defensivo que proporciona segurança e estima pessoal. O fenômeno grupal adquire uma importância extraordinária na adolescência, porque o indivíduo transfere para os pares parte da dependência que mantinha com a família. Assim, a dependência do adolescente aos valores do grupo é escravizante. Precisa de aplausos, julgando-se sempre conforme a sua aceitação exterior. Ele não pode perceber ainda que a busca da aprovação dos outros é a busca de sua própria aprovação.

No início da adolescência, a turma é formada por companheiros do mesmo sexo, mas, na medida em que amadurecem, assumindo sua condição sexual, sentem-se mais livres para aproximar dos adolescentes do sexo oposto.

A turma constitui uma transição necessária no mundo externo para se alcançar a individuação adulta.

·       Necessidade de fantasiar e intelectualizar

A necessidade de fantasiar e intelectualizar se intensificam e dominam o pensamento do adolescente, como mecanismos de defesa frente as situações de perda . A vivência dos lutos outorgam um sentimento de depressão e fracasso frente a realidade externa. É na adolescência, que nascem os escritores e poetas, trazendo uma bagagem revolucionária própria de cultura para o mundo.

·       Crises religiosas

Segundo Maurício Knobel, o adolescente pode se manifestar como um “ateu intransigente” ou um “místico fervoroso”, vivendo uma variedade de posicionamentos entre estes dois extremos. Isto reflete sua angústia interna, no confronto com a sua possibilidade de morte e de perda de seus pais. As figuras idealizadas oferecidas pela religião lhe permite a garantia de continuidade de sua própria vida e daqueles que lhe são queridos.

·       Deslocamento temporal

O adolescente vivencia uma crise de temporalidade. A criança vive as limitações do espaço e do tempo, dentro dos limites de seu pensamento concreto. O adulto tem a noção da infinitude espacial e da temporalidade da existência. Na adolescência, estas noções se misturam, se confundem e o adolescente passa por um período de sincretismo. Ele apreende o processo de discriminação temporal, passando pela tentativa de manejar o tempo de forma concreta e evoluindo para a própria consciência histórica individual e coletiva.

·       Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade

Reeditando a infância, através da masturbação, o adolescente revive a fase de manipulação dos órgãos genitais pelo lactente e, portanto, esta atividade tem características exploratórias, de autoconhecimento. A masturbação pode servir como modalidade de descarga de tensão, negação onipotente da existência de outro sexo e, também, através dela, o adolescente pode elaborar a necessidade de um companheiro sexual. A culpa e a ansiedade podem acompanhar este processo. Outras saídas tensionais para esta fase são identificadas através das atividades de roer unhas, sugar lábios, gagueiras, resmungos, levar mãos aos lábios e torcer cabelos. Outras vezes, os adolescentes apresentam voracidade oral, atividades sádicas anais, expressas na linguagem suja e na indiferença pela limpeza. Inicialmente, os meninos evitam a presença das meninas e a solução defensiva deste momento é a tendência grupal, chamada fase homossexual da adolescência.

Gradativamente, na proporção em que se sentem mais seguros de sua identidade sexual, os adolescentes vão se aproximando de seus pares do sexo oposto. Às vezes, observa-se condutas femininas nos rapazes e masculinas nas moças, que correspondem a aspectos da elaboração edípica. É importante assinalar que a cordialidade nas relações com os pais facilita as relações com as pessoas do sexo oposto.

A sensação de estar apaixonado é um dos componentes mais importantes da vida do adolescente e, neste momento, tem características de vínculo intenso e frágil, que tende a evoluir para o amor maduro, na medida da cristalização da masculinidade e feminilidade.

·       Atitude social reivindicatória

Grande parte da oposição que os adolescentes vivem com relação à família é transferida para o meio social, projetando no mundo externo as suas raivas, as suas rejeições e as suas condutas destrutivas. O adolescente pode sentir que ele não está mudando e que são os pais e a sociedade que se negam a ter com ele uma atitude provedora e protetora. Esta é a base da atitude social reivindicatória.

·       Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta

Estas condutas contraditórias são expressões da identidade adolescente, transitória ocasional e circunstancial.

·       Separação progressiva dos pais

Esta é uma das tarefas básicas dos adolescente, que pode ser facilitada por figuras parentais suficientemente adequadas.

·       Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo

O processo de luto da adolescência é permeado pela depressão e ansiedade, substrato natural das alterações de humor dos adolescente.

Maurício Knobel deixa claro que “somente quando o mundo adulto compreende e facilita adequadamente a tarefa evolutiva do adolescente, ele poderá desempenhar-se satisfatoriamente, elaborando uma personalidade mais sadia e feliz” ..



Recorte de tese de doutorado produzido por Marília de Freitas Maakaroun*- Pediatria, Psiquiatra da Infância e Adolescência, Hebiatra, Professora Doutora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.