Jane Patrícia Haddad

Palestras e Conferências

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Educar passa pela vida presente, e não só para uma vida futura

A noção de "cuidado de si", apresentada por Michel Foucault (1984), nos conduz e reconduz a uma incessante interpretação de como nos constituímos como sujeitos em nossa história e suas implicações.
Por Jane Patricia Haddad

Pensar nossa própria história possibilita liberar o pensamento daquilo que o sujeito conjectura silenciosamente e, por isso, permitir-lhe pensar diferentemente. A história de cada um pode favorecer o exercício da diversidade de opiniões, sem que isso seja feito de forma agressiva.
Entendemos que no campo educacional, faz-se urgente reconhecer que a unanimidade nem sempre será possível de forma harmônica. Divergir é um bom caminho para se discutir ideias e acolher tanta diversidade em uma educação que chamamos de crítica. Iniciaremos esta breve reflexão com Foucault, sob a ética e o "cuidado de si" e seu entendimento como:

"mútuas responsabilidades, que acompanham os movimentos do tempo e da história, que não é fixa. Construir e reconstruir moradas parece ser o desafio. Morada como um ponto aglutinador dos hábitos, dos costumes, das formas de ser e de se constituir como sujeitos". (EIZIRIK, 2005, p. 84).

Construir moradas é formar jovens competentes? Como estamos ouvindo diversas escolas e famílias falando: "O mundo precisa de jovens competentes, flexíveis, críticos e conscientes de seu papel enquanto agentes transformadores na sociedade em que vivem (...). Para ser bom e se dar bem, é necessário saber trabalhar em equipe (...)". Quem de nós nunca ouviu ou pensou tais afirmações?
A questão a ser refletida é: De que maneira escolas e famílias vêm preparando seus alunos-filhos para interagir com o outro? Que educação é essa que achamos ser a ideal? Uma educação que prepara o outro sempre para o amanhã, prepara para uma educação por vir!
Atualmente o que mais escuto entre professores e famílias é que "temos que preparar nossos alunos-filhos para ter sucesso e conquistar um bom lugar no mercado de trabalho". Não discordo de tal afirmação, o que venho discordando a cada dia, é que, antes de um mercado de trabalho, é preciso enxergar que há um sujeito cheio de desejos (embora, muitas vezes adormecidos), que tem uma vida pulsando antes daquilo que nós adultos desejamos ou estamos entendendo como sendo o sucesso, o "ser bem sucedido" e o "conquistar, conquistar e conquistar"!

Alguns pontos a ser mais bem explorado por nós educadores poderia ser: como ajudar a preparar nossas crianças e jovens para a vida; para as perdas diárias; para a morte e para a vida? Educar passa pela vida presente, e não só para uma vida futura.

Talvez, o momento presente esteja nos fazendo um convite para rever os caminhos adotados até agora pelas Instituições Família e Escola, caminho este que, muitas vezes, nega o real, a existência,as limitações e também as possibilidades de uma educação que nos convoca a olhar e escutar o que não "queremos" ver! Nossa limitação. Reconhecermo-nos como seres limitados nos possibilita pensar-agir diferente, nos possibilita errar e também acertar. Afinal, educar não é transformar?

Como educadora, venho vivenciando pessoas humanas, (trans)vestidas de super "heróis", acreditando e sustentando o (des)discurso que errar é desumano. Venho acompanhando, pais e professores, preparando seus filhos e alunos apenas para o sucesso, para o ganha-perde, desconsiderando a ética, como "cuidado de si". E ao cuidar de mim, cuido do outro. Essa sim é uma ausência real, da qual estamos sendo acometidos. Basta acompanharmos o aumento do fracasso escolar, a tão falada (in)disciplina escolar, a violência física, o bullying e também o chá de desesperança, como tantos ou outros "novos" distúrbios que vêm se instalando nas famílias , escolas e na sociedade como um todo. Talvez, tantos novos sintomas gritem pedido(s) de ajuda por parte dos alunos, pais, professores e sociedade. A palavra precisa ser falada para poder ser escutada!

Acredito que, conforme aponta a Psicanálise, aquilo que não possa ser colocado em palavras pode aparecer em atos. Poderia ser esse um dos motivos de tantos gritos "silenciosos"? Uma falta de fala-escuta?
Educar ultrapassa "formar jovens polivalentes e competitivos para o mercado de trabalho". Como educadores devemos ter o discernimento de respeitar o processo de cada um, o qual já é por si só muito difícil, um tempo marcado por momentos de inconstância dos vínculos afetivos, um processo de ir e vir, sem saber de onde sair e para onde ir. O momento atual é um convite de possibilidades, novas e estranhas sensações, porém momento de desacomodar, sair das queixas paralisantes para ações responsáveis.

Educar é um convite diário, momento de novas perguntas e modos de reinventar o pensar-agir. Educar requer reinventar formas de perceber, escutar e se comunicar com crianças, jovens e adultos.

Alguns canais que venho descobrindo para lidar com esse desafio é o encantamento com o ser humano, apesar de... Outro canal que venho descobrindo como estratégia de educar é o constante exercício de alteridade a que me proponho atualmente.
No contato diário com pessoas, percebo o momento delicado em que todos buscam entender o que muitas vezes não terá entendimento, apenas acolhimento e disponibilidade.

Cada ser humano tem seu tempo, sua história, seu jeito de ser e de agir, de aprender, de progredir e até mesmo de paralisar. Cabe à escola e à família entenderem esse processo em seu tempo, sem pressa, mas atentas aos detalhes, aos sinais... atentas ao não dito! O mercado de trabalho, esse sim dependerá muito do processo de crescimento de cada um, do SER HUMANO que estamos ajudando a formar e não formatar-preparar.

Frustrar e ser frustrado devem ser parte essencial da educação contemporânea. Nós ocidentais sentimos o tempo como algo vazio que precisa ser preenchido rapidamente e, na verdade, sinto que o momento da educação é o de esvaziar-se: esvaziar, desapegar, abrir espaço e tempo em nossos currículos, para contemplar o falar-escutar... Desacelerar o tempo cronológico da escola, diminuir o tempo do fazer e intensificar o tempo do sentir, do estar com, do esperar, do emergir de cada sujeito real, diferente do filho-aluno ideal! Quanto mais sabemos da Educação, menos sentimos Educação!

Posto isso, temos intenção de continuar provocando uma profunda reflexão acerca da noção do "cuidado de si" para pensar a educação do sentir, tendo como base a noção de sujeito que se constitui em uma prática de si, sustentando a ideia de uma ética que contemple o cuidado de si como uma ATITUDE de liberdade frente a sua escolha, seja ela qual for. Uma educação da Implicação!

 

Fonte: http://www.direcionalescolas.com.br/colunistas/2184-educar-passa-pela-vida-presente-e-nao-so-para-uma-vida-futura