Jane Patrícia Haddad

Palestras e Conferências

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Indisciplina Escolar: Diferentes Olhares Teóricos

 

Indisciplina Escolar: Diferentes Olhares Teóricos

Fernanda Aparecida Loiola Barbosa*

Universidade Tuiuti do Paraná

Resumo

O presente artigo tem como objetivo promover uma reflexão sobre a indisciplina escolar à luz de diferentes olhares, mostrando que o fenômeno pode adquirir conotações diferenciadas, dependendo dos pressupostos teóricos e epistemológicos tomados como referência pelo educador. As discussões aqui propostas giram em torno das perspectivas tradicionalista e construtivista de educação, reportando-nos aos estudos realizados por Estrela (1992), Freitas (1998), Garcia (1999 e 2008), Koff e Pereira (1999), Mendes (2008) e Parrat-Dyan (2008). O trabalho encontra-se organizado em três partes. Na primeira delas aborda-se a origem e o significado do termo indisciplina. Em seguida é feita uma análise sobre os principais conceitos sobre indisciplina escolar, construídos ao longo do tempo, pelos pesquisadores selecionados. Concluindo este trabalho são apresentadas algumas considerações relevantes à práxis docente.

Palavras-chave: Educação, Práticas Pedagógicas, Indisciplina Escolar, Tradicionalismo, Construtivismo, Reflexão.

Introdução

A indisciplina escolar tem sido o alvo de inúmeras discussões entre os educadores brasileiros dos diferentes níveis de ensino, desde a Educação Básica até o Ensino Superior, conforme podemos comprovar nos estudos realizados por Aquino (1996), Garcia (2008) e Torres (2008).

O fenômeno, além de não limitar-se a determinados níveis de escolaridade, também não se restringe a países ou culturas específicas. Estrela (1992, p. 9-12) constatou em suas investigações que a indisciplina tem se propagado nas escolas e preocupado os governos europeus, levando-os a adoção de medidas para conter suas influências prejudiciais à práxis educacional. A autora aponta a indisciplina como “um dos problemas mais difíceis e aliciantes com que se defrontam actualmente as escolas dos países ocidentais”. Provavelmente a indisciplina seja uma realidade vivenciada no mundo todo, inclusive nos países do oriente. Entretanto suas manifestações podem adquirir nuances diferenciados em função dos valores culturais estabelecidos por essas nações.

De modo geral, a indisciplina apresenta-se como um importante obstáculo no processo ensino-aprendizagem, prejudicando o exercício da função docente e o aproveitamento dos conhecimentos ministrados por parte dos alunos envolvidos. Esta tem sido uma preocupação constante entre os educadores e tem mobilizado a comunidade escolar em geral, tornando-se o principal foco das reuniões de pais e mestres, conselhos de classe, etc.

Contudo, embora conheçamos as dificuldades decorrentes da indisciplina, pairam no ar muitas dúvidas a respeito de sua origem, prevenção e tratamento. Dentre as principais indagações a respeito do assunto procuramos selecionar as mais freqüentes: (1) estaria relacionada à faixa etária dos alunos? (2) diferencia-se quanto aos gêneros? (3) fruto da situação sócio-econômica? (4) reflexo de uma fragilidade na educação familiar? (5) configura-se uma forma de contestação ao currículo desenvolvido nas escolas? (6) manifesta-se da mesma maneira nas diversas disciplinas escolares? (7) alicerça-se na ausência de algumas competências docentes? (9) questão de afetividade? (10) um pedido de socorro dos alunos, chamando a atenção para conflitos emocionais? (11) ou ainda, seria possível haver equívocos no que se refere à compreensão do termo indisciplina? Estas e outras questões aguçam a nossa curiosidade, impelindo-nos à busca de repostas que possam contribuir para a solução das dificuldades encontradas.

O presente artigo não tem a pretensão de responder a todas as dúvidas existentes, no sentido de oferecer receitas prontas e infalíveis contra a indisciplina. Isto talvez nem seja possível, visto a diversidade de experiências vivenciadas no universo educacional. Entretanto, nosso objetivo é promover uma reflexão sobre a indisciplina escolar à luz de diferentes autores, mostrando que o fenômeno pode adquirir conotações diferenciadas, dependendo dos pressupostos teóricos e epistemológicos de cada educador.

Para tanto realizaremos uma breve revisão de literatura, baseando-nos principalmente nos estudos realizados por Amado (2001), Estrela (1992), Freitas (1998), Garcia (1999), Koff e Pereira (1999), Mendes (2008) e Parrat-Dyan (2008).

O trabalho encontra-se organizado em três partes visando facilitar a apresentação das informações encontradas. Na primeira delas abordaremos a origem e o significado do termo indisciplina. Em seguida elucidaremos alguns dos principais conceitos sobre indisciplina escolar, construídos ao longo do tempo, pelos pesquisadores selecionados. E para concluir este trabalho apresentaremos algumas considerações que consideramos relevantes para a práxis docente.

Da origem do termo indisciplina

Como ponto de partida para esta reflexão convém analisarmos a origem e o significado da palavra indisciplina. De uma forma mais genérica, o dicionário elaborado por Ferreira (2008) define o termo como um procedimento, ato ou dito contrário à disciplina. Complementando a explicação o autor define a palavra disciplina como: (1) regime de ordem imposta ou mesmo consentida, (2) ordem que convém ao bom funcionamento de uma organização, (3) relações de subordinação do aluno ao mestre, (4) submissão a um regulamento, etc. Pesquisando-se o verbo disciplinar encontramos como sinônimos: sujeitar(-se) ou submeter(-se) à disciplina, castigar(-se) com disciplinas.

Para ampliar nosso entendimento sobre o termo consultamos ainda dois dicionários de filosofia (ABBAGNANO, 1999, p. 289; CAYGILL, 2000, p. 104) e encontramos a conceituação kantiana sobre disciplina como sendo respectivamente “função negativa ou coercitiva de uma regra ou de um conjunto de regras, que impede a transgressão à regra” e “coação graças à qual a tendência permanente que nos leva a desviar-nos de certas regras é limitada e finalmente extirpada”.

A análise de tais definições pode ser feita a partir de pelo menos três visões básicas. Na primeira delas encontram-se os olhares dos docentes partidários do modelo tradicional de ensino, que entendem a ação disciplinar como um conjunto de regras ou atitudes a serem tomadas visando a contenção de comportamentos inadequados à aprendizagem. Para estes profissionais a disciplina está relacionada a mecanismos de controle capazes de garantir o silêncio, a organização, a passividade e a imobilidade dos alunos, conforme podemos conferir nos estudos realizados por Mendes (2008, p. 139) quando relata alguns dados colhidos em entrevistas com professores:

“É uma certa ordem que temos que ter dentro da sala e na vida também. Sem isso não dá para fazer nada. Ordem em termos de comportamento e organização”.

“É um conjunto de atitudes que o aluno tem, que inclui sua relação com o professor e os colegas e seu interesse pelas atividades”.

“A disciplina do escolar tem a ver com a sua conduta pessoal e com a organização dos trabalhos”.

A segunda forma de analisar as definições sobre disciplina envolve um olhar pessimista quanto ao seu conceito. Os partidários dessa visão podem justificar sua posição através das expressões “ordem imposta”, “subordinação”, “submissão”, “castigo”, “coação”. O ato disciplinar acaba sendo compreendido como uma força opressora, que tolhe a capacidade de decisão ou a criatividade do sujeito. Estes pensamentos talvez reflitam uma interpretação equivocada dos pressupostos difundidos pelo escolanovismo, movimento que ressaltou a necessidade de uma nova visão sobre a prática pedagógica atrelada à ruptura dos engessados moldes do tradicionalismo. A Escola Nova, representada por Dewey, Decroly, Montessori dentre outros, não excluiu a necessidade da disciplina, mas atribuiu uma nova forma de o adulto exercer o papel docente, como o mediador da aprendizagem e, sobretudo, alguém capaz de promover a autonomia e responsabilidade dos educandos (ESTRELA, 1992).

A terceira forma de análise do termo disciplina relaciona-se a estes últimos pressupostos apresentados, que encerram um olhar construtivista sobre a ação disciplinar e critica as interpretações ingênuas, reducionistas e pessimistas do disciplinamento. Em conformidade com esta visão encontramos nos estudos de Parrat-Dyan (2008, p. 8) que

“A disciplina não é um conceito negativo; ela permite, autoriza, facilita, possibilita. A disciplina permite entrar na cultura da responsabilidade e compreender que as nossas ações tem conseqüências. Quem olha para a disciplina como algo negativo não entende o que é”.

Disciplina aqui é vista como um instrumento de libertação humana e não de repressão, como às vezes é concebida. A autora ultrapassa as compreensões proibitivas e punitivas imprimindo um significado de obediência consciente, no qual o sujeito participa ativamente no estabelecimento de regras de conduta considerando os valores e objetivos que se pretende atingir. O ato disciplinar é ainda apresentado como um instrumento corretivo dos distanciamentos das metas anteriormente traçadas.

Koff e Pereira (1999, p. 149) também enfatizam aspectos positivos sobre o disciplinamento relacionando-o aos princípios de participação e cooperação e, ao mesmo tempo contrapondo a negatividade comumente atribuída ao vocábulo:

(...) a disciplina não pode mais ser encarada, unicamente, como manutenção da ordem, através da obediência a regras preestabelecidas. É claro que esta “nova escola” deve superar a visão disseminada pela literatura clássica, onde o que importa é a moldagem do comportamento e o estabelecimento de atitudes aceitáveis. É imprescindível a existência de padrões de comportamento adequados à vida em grupo, mas é fundamental reconhecê-los culturais e passíveis de revisão. Uma dada situação pode exigir atitudes consideradas indisciplinadas em outros contextos. Do mesmo modo que, muitas vezes, reagir obedientemente representa abandonar a construção de ações originais e criativas”.

Como pudemos observar as práticas disciplinares modificaram-se com o passar do tempo, partindo “de um conceito de disciplina compreendida como conformidade exterior às regras e aos costumes”, passando por “um estádio em que é compreendida como conformidade simultaneamente exterior e interior” e chegando a “uma concepção que valoriza, sobretudo, a interioridade e o engajamento livre do indivíduo” (ESTRELA, 1992, p.18)

Entendemos que a disciplina, até chegar a esse engajamento proposto, precisa passar por algumas etapas distintas. No início a ação disciplinar pauta-se na heteronomia, pois a criança pequena ainda não dispõe dos mecanismos necessários para organizar-se sozinha. Mais tarde, através da mediação adulta, chega-se ao disciplinamento no qual o sujeito participa da elaboração das regras e sanções disciplinares, sentindo-se responsáveis por elas e legitimando sua observância. O adulto certamente continua sendo importante personagem nesse processo de disciplinamento, porém não mais ocupando papel controlador das ações discentes. Após este estágio espera-se atingir a autodisciplina e autocontrole, momento no qual o indivíduo não mais necessitaria de organizadores ou disciplinadores externos tornando-se o principal agente orientador de suas ações (ESTRELA, 1992, p. 21).

Em síntese, nesta seção pudemos analisar o conceito de disciplina através de três perspectivas diferenciadas: (1) a visão tradicionalista que compreende o disciplinamento como um mecanismo de contenção dos comportamentos, visando atingir os objetivos propostos; (2) a compreensão equivocada dos pressupostos escolanovistas, onde a ação disciplinar é rotulada como cerceadora das possibilidades do educando e (3) o olhar construtivista de superação sobre estas duas visões, que atribui um novo papel ao docente, indicando-o como mediador da aprendizagem e promotor da liberdade responsável, da autodisciplina e do autocontrole dos alunos.

Existem ainda outras interpretações relacionadas ao conceito de disciplina, entretanto, por uma questão prática reservaremos sua apresentação e análise para outro momento mais oportuno.

Embora não tenhamos esgotado as concepções acerca da disciplina, podemos dizer que já temos um “pano de fundo” que nos possibilita discutir o fenômeno derivado da sua ausência, privação, questionamento ou negação: a indisciplina escolar.

Indisciplina à luz de diferentes olhares

Neste tópico faremos uma análise de diferentes olhares sobre a indisciplina escolar e refletiremos sobre como os pressupostos teóricos e epistemológicos do educador conferem interpretações diversas ao fenômeno. As discussões a seguir contemplarão especificamente as perspectivas do tradicionalismo e do construtivismo, nesta ordem. Convém esclarecer que não abordaremos a segunda concepção apresentada na seção “Da origem do termo indisciplina” por entendermos aquele posicionamento como uma distorção dos ideais escolanovistas e seus postulados teóricos. Além disso, não encontramos na literatura pesquisada qualquer menção a esta vertente relacionada ao nosso objeto de estudo, a indisciplina escolar.

Freitas (1998), para construção de sua pesquisa, realizou 42 observações em sala de aula, em duas turmas de 1ª. série, do primeiro grau (atualmente o 2º. ano do Ensino Fundamental), durante o ano de 1985. Em alguns trechos de sua obra a autora enfatiza que a disciplina, na visão da professora observada, relacionava-se com o extremo silêncio dos alunos e um esquadrinhado controle sobre suas ações. Para aqueles que ousassem ultrapassar as regras estabelecidas eram proferidas ameaças de exclusão e punição (nos moldes behavioristas) dos alunos qualificados como “mal comportados”.

Esses “maus atos” incluíam atitudes ou comportamentos como: não realizar fila, solicitar para ir ao banheiro fora do horário estabelecido, “remexer-se” na carteira, olhar pela janela, esquecer o material escolar, apresentar lentidão na execução das tarefas propostas, solicitar algo emprestado ao colega, levantar-se, conversar, questionar alguma regra, escrever ou não olhar diretamente para a professora enquanto esta explica o conteúdo, dentre muitas outras.

Observa-se que necessidades básicas do aluno, como o fato de ir ao banheiro fora do “momento combinado” incomodava o “bom andamento da aula” na visão da professora observada. A inadequação ao regimento, a comunicação entre os pares, a movimentação, o questionamento, a exposição de necessidades individuais e a insubmissão à figura do professor foram atitudes entendidas como manifestações de indisciplina.

Tal interpretação parece ecoar a rigidez do ensino tradicional, que ao invés de promover a liberdade, conduz ao aprisionamento; no lugar da autonomia valoriza a eterna dependência da figura do professor, visto como o único detentor do saber e do poder (FREIRE, 2001). O teórico critica o “culto ao silêncio” característico deste modelo educacional e valoriza a comunicação como instrumento para libertação humana. Uma comunicação que somente poderá existir a partir da ruptura com o sistema da “educação bancária”, na qual o relacionamento professor-aluno encontra-se em desigualdade de condições.

Para que a liberdade real ocorra é necessário acabar com o relacionamento verticalizado (imposto, de cima para baixo) e que seja estabelecida a horizontalidade entre os personagens envolvidos, numa vinculação de igualdade.

Encontramos algumas similaridades com relação a e este conceito de indisciplina nos estudos realizados por Freller[1] (2001, p. 132, apud MENDES, 2008), descrevendo a maneira como os docentes pesquisados a enxergavam:

(...) conversar, mexer-se, falar palavrão, ser agressivo, não usar uniforme, não trazer material, não ter interesse ou compromisso, não ter respeito, não ter educação, responder ao professor, ser agitado, hiperativo, não sentar, não se concentrar, brigar. (...) Prevalece, nas definições de indisciplina, o que falta, o negativo, o oposto do que é idealizado e esperado pelos professores. Também destacam os comportamentos que remetem a algum tipo de movimentação. Conversa, agressividade, desinteresse em responder ao professor, também aparecem freqüentemente no desabafo dos professores”.

Podemos notar que tradicionalmente a indisciplina era interpretada simplesmente como uma questão comportamental do aluno, diante da situação de aprendizagem e outros aspectos importantes eram negligenciados.

Felizmente, nas últimas décadas, presenciamos importantes avanços em educação que superaram esta antiga concepção. Em Garcia[2] (1999, p. 102, apud OLIVEIRA, 2004, p.43) encontramos a necessidade de uma nova interpretação sobre a indisciplina escolar que ultrapasse o conceito de “problema de comportamento” discente e contemple os diversos aspectos psicossociais envolvidos neste fenômeno:

“De um lado, é possível situá-la no contexto das condutas dos alunos nas diversas atividades pedagógicas, seja dentro ou fora da sala de aula. Em complemento, deve-se considerar a indisciplina sob a dimensão dos processos de socialização e relacionamentos que os alunos exercem na escola, na relação com seus pares e com os profissionais da educação, no contexto do espaço escolar – com suas atividades pedagógicas, patrimônio, ambiente, etc. Finalmente, é preciso pensar a indisciplina no contexto do desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Sob esta perspectiva, define-se indisciplina como a incongruência entre os critérios e expectativas assumidos pela escola (que supostamente refletem o pensamento da comunidade escolar) em termos de comportamento, atitudes, socialização, relacionamentos e desenvolvimento cognitivo, e aquilo que demonstram os estudantes”.

As palavras do autor redefinem a indisciplina escolar, visto que existem múltiplos fatores capazes de desencadeá-la, contrapondo a ideia tradicionalmente difundida que culpabiliza o aluno como único e exclusivo responsável pelo seu aparecimento. Nesse sentido, podemos inferir que a indisciplina passa a ser vista como uma discrepância entre os anseios da comunidade escolar no que se refere ao desenvolvimento global dos alunos e as posturas assumidas por estes últimos diante da aprendizagem. Exemplificando os possíveis fatores que podem favorecer a ocorrência do fenômeno Amado[3] (2001, p. 42, apud OLIVEIRA, 2004, p. 45) apresenta-nos sete categorias:

Fatores de ordem social e política: interesses, valores e vivências de classe divergentes e opostas, racismo, xenofobia, desemprego, pobreza.

Fatores de ordem familiar: valores familiares diferentes dos valores da escola, disfuncionamento do agregado familiar, demissão da função socializadora.

Fatores institucionais formais: espaços, horários, currículo e ethos desajustados aos interesses e ritmos dos alunos.

Fatores institucionais informais: interação e lideranças no interior do grupo-turma que criam um clima de conflitos e de oposição às exigências da escola e de certos professores.

Fatores pedagógicos: métodos e competências de ensino, regras e inconsistência na sua aplicação, estilos de relação desadequados.

Fatores pessoais do professor: valores, crenças, estilo de autoridade, expectativas negativas relativamente aos alunos.

Fatores pessoais do aluno: interesse, adaptação, desenvolvimento cognitivo e moral, hábitos de trabalho, história de vida e carreira acadêmica, autoconceito, idade, sexo, problemas patogênicos. (AMADO, 2001, p.42).

Diante de pressupostos construtivistas a indisciplina adquire novo sentido, pois, não se limita a evidenciar “comportamentos inadequados” ao “bom andamento das aulas”, mas torna-se indicativo de outros fatores, não tão evidentes, capazes de interferir no processo ensino-aprendizagem. Essa constatação propicia o estabelecimento de ações voltadas à prevenção do fenômeno ou a minimizar seus efeitos negativos, quando este já se encontra instalado.

O olhar construtivista também apresenta uma nova forma de “gestão dos comportamentos”. Os atos outrora entendidos como indisciplinados no modelo tradicional de ensino, por vezes encerram um significado positivo, desde que facilitem a aprendizagem. Os professores não mais exigem o silêncio, conformismo e imobilidade dos alunos. Um trabalho verdadeiramente construtivista enxerga a movimentação e a comunicação até mesmo necessária para que determinados aprendizados se tornem efetivos. Isso não significa o abandono das regras, a instauração da anomia. O que se propõe é a elaboração de um código normativo coerente, capaz de oportunizar a participação do aluno na construção do conhecimento.

Considerações Finais

Ao longo deste artigo procuramos apontar que a indisciplina escolar pode adquirir significações diferenciadas de acordo com os pressupostos teóricos e epistemológicos tomados como referência. Ou seja, atos considerados como manifestação de indisciplina na visão tradicionalista podem não ter a mesma conotação segundo uma perspectiva construtivista, por exemplo.

É interessante ressaltar a necessidade de uma nova compreensão sobre o fenômeno, superando a visão comportamentalista e a unilateralidade na responsabilização pelo seu aparecimento. O “comportamento indisciplinado” não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como sintoma decorrente de causas mais profundas, geralmente veladas. Esse entendimento pode auxiliar a comunidade escolar no diagnóstico e tratamento das questões disciplinares, antes que os prejuízos ao aprendizado se instalem.

Finalizando, gostaríamos de sublinhar a importância de uma nova práxis docente, com vistas a auxiliar os alunos na construção da autodisciplina, tão valiosa para os fins educativos e, sobretudo, para a vida.

Referências

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

AQUINO, J. G. (Org). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.

CAYGILL, H. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

ESTRELA, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. 3. ed. Portugal: Editora Porto, 1992.

FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio. 7. Ed. Curitiba: Positivo, 2008.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

FREITAS, L. A produção de ignorância na escola. São Paulo: Cortez, 1998.

GARCIA, J; ALBERTI, A. R. A indisciplina na sala de aula: analisando a perspectiva dos alunos. In: SEMINÁRIO INDISCIPLINA NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA, 4. Curitiba, 2006, Anais... Curitiba: UTP, 2008, p. 215 – 226. CD

KOFF, A. M. N. S e PEREIRA, A.B.C. Disciplina : uma questão de autoridade ou participação? In: CANDAU, V.M. (Org). Rumo a uma nova didática. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.p. 135-151.

MENDES, F. M. D. Pensando sobre a indisciplina escolar. In: SEMINÁRIO INDISCIPLINA NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA, 4. Curitiba, 2008, Anais... Curitiba: UTP, 2008, p. 128-137. CD

OLIVEIRA, R. L. G. As atitudes dos professores relacionadas à indisciplina escolar. Curitiba, 2004. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2004.

PARRAT-DAYAN, S. Como enfrentar a indisciplina na escola. São Paulo: Contexto, 2008.

TORRES, R. Indisciplina na Educação Superior. In: SEMINÁRIO INDISCIPLINA NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA, 4. Curitiba, 2006, Anais... Curitiba: UTP, 2008, p. 156-167. CD



* Pedagoga, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão, Docente da Instituição Adventista Sul Brasileira de Educação e Assistência Social. E-mail: Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

 

[1] FRELLER, C. C. Histórias de Indisciplina Escolar: o trabalho de um psicólogo numa perspectiva winnicottiana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

[2] GARCIA, J. Indisciplina na escola. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 95, p. 101-108, jan./abr. 1999.

[3] AMADO, J. S. Compreender e construer a (in)disciplina. In: SAMPAIO, D. et al. Indisciplina e violência na escola. Lisboa: Colibri, 2001. P. 41-54.